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Crónica de segunda-feira pra o "i" .
CNECV (quarto mandato)
“Toda unanimidade é burra” e, no caso do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), seria estranha e até vergonhosa, pelo que reconforta saber que os pareceres sobre a “gestação substituição”, as “declarações antecipadas de vontade”, o “diagnóstico genético pré-implantação”, o “transplante de órgãos”, a “clonagem humana” ou a “investigação em células animais” foram aprovados com pelo menos duas declarações de voto vencido, sem despertar grande alarido. Como se explica então que seja o parecer sobre o financiamento do custo dos medicamentos, aprovado sem declarações de votos de vencido, a manchar a imagem do CNECV? Será que houve um conluio para prejudicar quem só pode recorrer ao SNS?
Quem é contra o parecer deve saber defender o “encarniçamento terapêutico”, por muitos considerado eticamente reprovável, não só por prolongar o sofrimento do doente, como por poder comprometer o tratamento de pessoas mais necessitadas quando os recursos são limitados. Esta discussão decorre nos países ditos civilizados, mas não é difícil perceber que descambe num país de pantanas, com o SNS sob ataque e um governo que já só tem a confiança dos seus cúmplices. É verdade que não ajudou a entrevista do presidente do CNECV, Miguel Oliveira da Silva, cuja sensibilidade social levanta a suspeita de que antes estivera a beber um puro malte com António Borges. E também não ajudou o “processo de averiguação” da Ordem dos Médicos aos clínicos do CNECV - que não vai dar em nada, pois já cumpriu os objectivos de capitalizar a indignação popular e de ajuste de contas entre rivais de profissão.
É um erro considerar o CNECV um desses grupos de trabalho inventados para dar legitimação técnica a interesses obscuros. E é um erro maior não discutir em público e sem estados de alma um problema incómodo, pois este não desaparecerá e as soluções não serão melhores, mas apenas menos transparentes.
Adenda: editorial do Público, hoje: "O parecer do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, por polémico que seja, deu o primeiro passo num debate sério. E fê-lo com uma argumentação cuidada e sólida, como se comprova lendo o documento (está na Internet) e não só os resumos dele feitos. Fala em "racionamento" de custos, mas também, em casos terminais, em substituir o "racionamento implícito" ("eticamente e politicamente inaceitável") por "uma escolha e racionamento explícito e transparente, em diálogo com os cidadãos", para "que assim se mantenha intacta a confiança dos doentes nos profissionais de saúde e no SNS". Disto retirou a Ordem dos Médicos a ideia de uma ofensa ao código deontológico, pelo que ameaçou investigar e processar os médicos que subscreveram o parecer, entre os quais dois antigos bastonários. Pensar a saúde passou a ser um delito de opinião, punível? A Ordem dos Médicos, incrivelmente, parece achar que sim. Até onde levará esta sua cruzada?"
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